Chamada Revista Criação & Crítica n.20

Dossiê Sáfico - Literatura lésbica
 
Os fragmentos de Safo escorrem do mar Egeu ao continente; soltos ao vento, percorrem longo caminho, atravessam tempo-espaço. Fragmentos da ilha que deu nome: Lesbos. No livro Pessoas lésbicas: material para um dicionário, escrito por Monique Wittig, a página sobre Safo está em branco. Sobre ela, pouco se sabe. Mas sabe-se: existiu.
Um dia, em uma sala de aula, alguém perguntou se existia algo como uma escrita lésbica ou livros lésbicos. Existem, Nicole Brossard respondeu. Existem e “são livros belos, inteligentes, emocionantes, que ninguém nunca nota realmente, exceto aquela que, passando por eles, reconhece o tremor, o grão de uma voz apaixonada, respirando subitamente como se o ar ambiente se dilatasse de seu peso cotidiano, se surpreendendo e se interrogando, como se um punhado de palavras a aproximassem agora de sua própria história”. Sabe-se: existem.
Brossard também escreveu que “uma lésbica que não reinventa o mundo, é uma lésbica em vias de extinção”. E, então, a página em branco sobre Safo, do enigma e do vazio, faz a criação. Do vento, das correntes do Egeu, são recolhidas nos continentes suas tiras de papel, os grãos da voz que fazem respirar melhor. Safo inventada, pois sabe-se: existiu.
Nascer em ilha, Yourcenar escreveu, é seguramente um começo de solidão. Não, Adrianne Rich responderia, há um continuum lésbico e, nele, a pessoa lésbica extrapola qualquer espaço e atravessa qualquer tempo, sobrevive de seu encontro com outras pessoas lésbicas. Resiste à extinção. Nos versos de Anne Carlson, nas HQ’s, de Alison Bechdel. N’A cor púrpura, de Alice Walker. No poço de solidão de Radclyffe Hall. Na Martha que recusa a morte, de Audre Lorde. Em Cassandra Rios, que no título já diz Eu sou uma lésbica. N’O Corpo Lésbico de Monique Wittig que vai gritar “Glória à Safo! Glória à Safo pelo tempo em que vivermos neste sombrio continente!”. A literatura lésbica, sabe-se: existe.

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